O tempo das coisas

 

cerejas

Aqui há dias, um pouco antes da passagem de ano, assistia na RTP a uma das costumeiras e triviais reportagens da época, numa qualquer pastelaria, numa espreitadela sobre a confecção do popular bolo-rei. Para além de tudo o que se viu e ouviu, retive a afirmação de que apesar desta ser a época alta, todavia o bolo-rei confecciona-se e consome-se todo o ano. De facto assim é, como também é verdade realativamente a muitos produtos de origem sazonal ou identificados com épocas específicas.

É o caso do bolo-rei, conforme referimos, mas também o pão-de-ló e as amêndoas, tradicionalmente ligadas à festividade da Páscoa, as rabanadas, ligadas ao Natal, etç, etç.
No caso das frutas: Noutros tempos, no nosso país, morangos e melões vendiam-se nos meses de Verão, as cerejas em Maio e Junho, as castanhas, nozes e figos no Outono e por aí fora.
Hoje em dia, pelos efeitos da globalização, desenvolvimento das tecnologias de produção, confecção e armazenamento e conservação, temos quase tudo isso em qualquer dia do ano.


Certamente que esta abundância e disponibilidade por si só não têm nada de negativo mas, verdade se diga, perdeu-se muito do encanto próprio dessas coisas, quase como uma magia desvendada ou um segredo revelado. Dito de outro modo, as coisas vulgarizaram-se, tornaram-se rotineiras sem qualquer deslumbramento. Perderam assim o sabor e o aroma.


Consequentemente, as coisas e as situações tendem a cair numa espiral de vulgaridade que vai aumentando. Veja-se o caso do Natal, que outrora confinado à quadra, hoje já se começa a revelar em princípios ou meados de Novembro, porque o consumismo e os aparelhos que o sustentam assim o determinam.
Por conseguinte, perdeu-se para sempre o tal encanto e deslumbramento das coisas que aconteciam na altura própria em todo o seu explendor, como o concretizar de um desejo. Se desejávamos cerejas, tínhamos que esperar pelo tempo delas; Se desejávamos grelos ou melões, tínhamos que aguardar pelo tempo deles. Era assim com tudo. Mas tudo mudou.


Sinais dos tempos em que deixou de haver tempo para a espera, para o ritmo próprio dos ciclos da natureza e da vida.


Comentários

  1. Perdeu-se, de facto, o tempo de espera pelas coisas. O ritmo próprio da natureza foi substituído pela alucinação do prazer imediato, tão fugáz, que torna a vida demasiado ensonsa para quem assim vive.

    Um abraço

    ResponderEliminar
  2. Maria João,
    é como dizes.Não sei porquê, e de repente veio-me à tona do pensamento o tão falado caso dos implantes mamários nas adolescentes espanholas (que parece que virou moda). Não deixa de ter alguma relação com este prazer imediato, fugaz. Pode-se questionar que tal situação tem em conta o bem-estar psicológico; poderá também ser isso mas é mais do que isso: é sobretudo uma filosofia do antes parecer do que ser. Deixou de ser tão importante o que pensamos de nós próprios, mas mais importante o que os outros acham, pensam e vêem em nós.
    Resumindo: "O ritmo próprio da natureza foi substituído pela alucinação do prazer imediato".

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Os comentários estão sujeitos à prévia aprovação por parte do autor do blog.

Mensagens populares deste blogue

Revista GINA

Colecção Formiguinha – Editorial Majora

A Comunhão Solene ou Profissão de Fé

Pub-CF