Certamente que não das gerações mais novas, mas das outras poucos serão aqueles que não conhecem o poema "O rapaz da camisola verde", de Pedro Homem de Mello (6 Setembro 1904 — 5 Março 1984), sobretudo por o ouvirem na forma de canção, de autoria de Frei Hermano da Câmara, que a cantou, mas também pela voz da imortal Amália Rodrigues e Sérgio Godinho, entre outros.
Poucos ainda o saberão, mas desta grande figura da cultura portuguesa, também é a autoria de outros poemas de populares fados cantados por Amália, como "Povo que lavas no rio" e "Havemos de ir a Viana".
As primeiras memórias que tenho de Pedro Homem de Melo ecoam dos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70, quando aos domingos, na RTP, nos entrava portas adentro para divulgar o folclore português, sendo dele um profundo conhecedor e especialista. A par das suas introduções, era ver ranchos folclóricos a dançar no lajedo granítico das eiras minhotas à sombra de altos espigueiros. Tratava-se do programa “Danças e Cantares”, que iniciou em 1958, pouco depois do nascimento da RTP, e que se estendeu na sua programação até meados de 70.
O rapaz da camisola verde
De mãos nos bolso e de olhar distante,
Jeito de marinheiro ou de soldado,
Era um rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Perguntei-lhe quem era e ele me disse
“Sou do monte, Senhor, e um seu criado”.
Pobre rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Porque me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente estava um condenado.
Vai-te, rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Ouvindo-me, quedou-se o bravo moço,
Indiferente à raiva do meu brado,
E ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Soube depois ali que se perdera
Esse que só eu pudera ter salvado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Ai do rapaz da camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
- Pedro Homem de Melo
Tudo muito bem descrito, fiel retrato do que foi realidade nesses tempos, meus tempos de juventude e do qual guardo as melhores recordações...
ResponderEliminarObrigado ao autor deste blog
Cumprimentos
Dinis Sousa
leituras: pedro homem de mello
ResponderEliminar“Na versão cantada, o poema que Pedro Homem de Mello escreveu em 1954 vê os versos em que o homoerotismo é cristalinamente assumido serem silenciados pela censura do pudor hipócrita da cultura social vigente.
“O rapaz da camisola verde” - versão integral
“Lembro o seu vulto, esguio como espectro,
Naquela esquina, pálido encostado!
- Era um rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado...
De mãos nos bolsos e de olhar distante
Jeito de marinheiro ou de soldado...
Era o rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Quem o visse, ao passar, talvez não desse
Pelo seu ar de príncipe, exilado
Na esquina, alí, de camisa verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado.
Perguntei quem era, ele me disse:
Sou do Monte Senhor! E seu criado...
Pobre rapaz de camisola verde
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado!
Porque me assaltam turvos pensamentos?
Na minha frente estava um condenado?
- Vai-te! Rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado!
Ouvindo-me, quedou-se, altivo, o moço,
Indiferente à raiva do meu brado,
E ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado...
Ali ficou... E eu cínico, deixei-o
Entregue à noite, aos homens, ao pecado...
Ali ficou de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado...
Soube depois, ali, que se perdera
Esse que, eu só, pudera ter salvado!
Ai! do rapaz de camisola verde,
Negra madeixa ao vento,
Boina maruja ao lado!
PEDRO HOMEM DE MELLO
(São José Almeida, Homossexuais no Estado Novo, Sextante Editora, Porto, 2010)