Motorizadas e motorizadeiros



Tecnicamente a coisa designa-se de ciclomotor, que em regra corresponde a um veículo de duas ou três rodas, equipado  com um motor de combustão interna, cuja cilindrada não exceda 50 cm3 e com velocidade máxima de fabrico programada para os 50 km hora. 
Mas entre nós, este bicho na versão de duas rodas, equipado com o tal motor de 50 cm3, mas com velocidades máximas que podem perfeitamente atingir 100 Km/hora, popularmente designa-se de motorizada. A única diferenciação para um motociclo ou mota é fundamentalmente a cilindrada e obviamente a estrutura e tecnologia adequada à potência e velocidade. 

As motorizadas existem, pois, há bastantes anos, mas entre nós generalizaram-se na década de 70 e 80. Depois disso entraram na moda as práticas scooters, menos barulhentas e poluentes  e mais económicas. Com o aumento do poder de compra, depressa os automóveis e motociclos de maior potência e capacidade tecnológica, sobretudo das marcas japoneses, vieram quase de forma definitiva encostar as velhinhas motorizadas ou mesmo remetê-las para a sucata. Em face dessa realidade, pelo final dos anos 80 e seguintes algumas das nossas mais emblemáticas empresas fabricantes de motorizadas acabaram por fechar portas e na falência.

Há poucos anos, porém, entrou na moda o mercado dos artigos clássicos ou chamados vintage. Tal como muitos outros produtos, incluindo os coleccionáveis, como cromos, brinquedos, revistas, livros, relógios, etc, as motorizadas tornaram-se também objectos apetecíveis para tal mercado, em muito impulsionado pela saudade de outros tempos. Assim, quem pelos anos 70 e 80 comprou a sua motorizada logo que completou os 18 anos de idade, agora já quarentões e cinquentões, estão a recuperá-las e a dar-lhes nova vida, juntando-se em grupos ou em clubes, designados de motorizadeiros, que aos fins-de-semana, nomeadamente quando o tempo o permite, se reúnem, dando umas voltinhas e convivem dando a conhecer as suas "meninas" ou "princesas", trocando experiências e aspectos técnicos ligados às peças e ao restauro e partilhando memórias de outros tempos.

É certo que para trás ficaram os verdes anos de adolescentes montados nas suas motorizadas, percorrendo velozes os sítios e festas à procura de raparigas, e agora as pobres motorizadas, também elas com o peso dos anos, mesmo que renovadas no aspecto e mesmo em algumas peças, vêem-se montadas por homens de meia idade, invariavelmente gordos e barrigudos, numa imagem de nostalgia mas com uma boa dose de caricatura. Mas as coisas são como são.

Com toda esta moda, estão abertos mercados de venda de peças e de restauro das velhinhas motorizadas e há modelos para todos os gostos, mas quase sempre ligados aos clássicos motores e modelos de marcas como Sachs, Casal, Zundapp, KTM, Famel, EFS, SIS, Macal, Florett, Kreidler, etc. Os mecânicos de motorizadas encontraram um nicho de marcado e não têm mãos a medir. O que dá para restaurar restaura-se, e o que não, vende-se em peças. Uma qualquer motorizada que pelos anos 70 ou 80 custava 50 ou 60 contos vende-se agora, devidamente restaurada, a 1000, 1500, 2000 euros e até mais, dependendo da idade e raridade do modelo ou do estado de conservação base.

Pela minha parte, logo no início de 1980 comprei também uma motorizada, que ainda possuo, um modelo da EFS Fórmula 1 com motor alemão da Sachs, de 5 velocidades, cor preta. O mesmo modelo mas com variantes, também foi comercializado com o motor Kreidler, tipicamente da Florett, mas também com  Zundapp e Casal, bem como noutras cores, nomeadamente um dourado/cobreado e mesmo vermelho. Se a memória me não atraiçoa, esta Fórmula 1 era dos modelos mais caros disponíveis no stand e custou-me cerca de 60 contos, pagos a prestações garantidas por letras de câmbio. Deu muitas voltas em tempos de solteiro e mesmo já depois de casado, e dessas muitas voltas sobram muitas histórias à sua volta.

Depois de comprado o primeiro carro, tem estado encostada e apenas muito ocasionalmente  a ponho a trabalhar para que não "adormeça" definitivamente. Por estes dias, tirei-lhe o pó, e depois de alguns empurrões lá pegou e até permitiu dar uma pequena volta. Até uma nova oportunidade, vai voltar a ficar encostada.
Por um lado há a tentação de a restaurar, com pintura e cromados novos e reposição de uma ou outra peça já desaparecida ou avariada e uma afinadela no motor. Mas por outro lado não sou adepto de restauros profundos porque acho que as coisas têm que demonstrar o peso e o efeito dos anos e do uso. Daí que muitos as queiram afinadas mas com a patine ou marcas próprias do tempo. Mas são opções e até há muitos motorizadeiros que à falta das suas motorizadas originais, que venderam ou mandaram para a sucata, acabam agora por comprar semelhantes às que tiveram ou desejaram ter. Sentimental e afectivamente não é a mesma coisa, mas remedeia.

Seja como for, mania, moda, saudade ou mais do que isso, não deixa de ser interessante e positivo que se recuperem velhas máquinas que tiveram um papel importante na vida de muitas pessoas, num tempo em que os meios eram poucos e os automóveis um luxo reservado a ricos.

Pessoalmente, confesso, não ligo patavina às motos (com excepção das verdadeiras clássicas) e o conceito de motard não me diz absolutamente nada e acho tanta piada a uma concentração de motas e motards como estar parado numa fila de trânsito em plena auto-estrada num dia de calor tórrido. Em contrapartida, quanto às motorizadas, estas têm de facto alguma magia pela sua simplicidade mecânica e estrutural e pelo contributo que deram a uma certa classe operária, traduzindo-se num meio de transporte prático e económico, ajudando assim ao desenvolvimento de uma grande parte da população portuguesa, de modo notório nesses idos anos de 60, 70 e 80. Por outro lado, muito ao contrário das motos, as motorizadas tiveram em Portugal, sobretudo na região da Bairrada, uma importante implementação industrial que em muito contribuiu para o desenvolvimento não só da região como do país. Foi um sector com história e tradição.

É certo que os tempos actuais são outros, e continuam a vender-se motas e motociclos, incluindo chinesas, até em resposta ao crescente aumento dos combustíveis, mas já num contexto social muito diferente, sendo que, todavia, o automóvel veio definitivamente sufocar a importância dos concorrentes de duas rodas. Mas com os combustíveis a subirem a preços quase criminosos, porque altamente afectados por impostos, não tardará o tempo em que os  carros, pelo menos nas urbes, darão a lugar aos bichos de duas rodas e até mesmo a bicicletas, de resto como já sucede em muitas cidades e muitos países.

Vejamos, entretanto, se esta moda das motorizadas e dos motorizadeiros será sol de pouca dura ou se veio para ficar, sendo certo que as velhinhas máquinas nunca perderão a sua magia e o seu peso histórico.

Quanto à EFS, a ter em conta alguns dados publicados pela web,  a marca nasceu em 1911, fundada por Eurico Ferreira de Sucena, com estabelecimento na Borralha, em Àgueda,  então como fabricante de de acessórios para bicicletas e para o ciclismo. Anos depois, em 1939, a EFS fabricou as primeiras bicicletas a pedais e posteriormente em 1952 iniciou a produção de bicicletas equipadas com motor.
A década de 1960 foi muito positiva para a marca de Eurico Ferreira de Sucena, com um incremento das encomendas para o mercado interno mas também com o início das exportações dos seus veículos para alguns países europeus, americanos e mesmo asiáticos.

A empresa continuou a crescer nos anos seguintes e em 1974 entrou em laboração uma segunda unidade industrial, localizada em Avelãs de Caminho - Anadia, dando-se simultaneamente a mudança da sede e administração da EFS.
O grosso da produção centrava-se então nos ciclomotores mas em 1978 a empresa dá corpo aos motociclos com a fabricação de uma moto de 125 cm3 equipada com motor Puch, de dois tempos. De resto a empresa não tinha motor de fabrico próprio e os seus modelos eram equipados sobretudo com motores Sachs, Zundapp, Casal, Puch e Kreidler, Cucciolo, Derbi, Minarelli e até mesmo da japonesa Yamaha.

Já na década de 1980, embora ainda com muita venda de ciclomotores, a EFS deparou-se com forte concorrência, nomeadamente de outros países e acabou por entrar em decadência e veio mesmo a encerrar as portas.  De resto esta mexida no mercado por essa época afectou muitas empresas do ramo, como a Macal, Casal, Famel e muitas outras que caíram inapelavelmente deixando um rasto de história.

Por sua vez, a metalurgia Casal foi fundada em 1964 por João Francisco do Casal. Foi a maior fábrica de motores nacionais, produzindo motores de diversas cilindradas para diversos fins, incluindo motociclos. A Casal foi a marca portuguesa que atingiu maior notoriedade e chegou a exportou para diversos países.
A Famel, Fábrica de Produtos Metálicos, foi fundada em 1949 na Mourisca, em Águeda, por João Simões Cunha, Augusto Valente de Almeida e Agnelo Simões.

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