Demolição da igreja românica de Joane - Famalicão - Um crime hediondo sem castigo



Hoje em dia, e ainda bem, procura-se valorizar o património, nomeadamente o arquitectónico, civil, militar ou religioso. É certo que com o Estado ainda a demitir-se em muito dessas responsabilidades, mas aos poucos vai-se preservando e valorizando e em muitos casos com a integração em contextos de divulgação turística. De resto já se suspendeu a construção de uma barragem (rio Côa) para preservar gravuras rupestres.

A Rota do Românico é um desses bons exemplos de valorização e promoção de um conjunto de monumentos românicos e através deles locais e regiões.

Mas, naturalmente nem sempre foi assim e ao longo de séculos muitos monumentos foram vandalizados e destruídos e as suas pedras aproveitadas para outras finalidades mas prosaicas. Do liberalismo da primeira metade do séc. XIX e dos seus atropelos, com a venda de muitos imóveis ligados à Igreja, como mosteiros, conventos, igrejas e capelas, vendidas ao desbarato e transformadas em palheiros e estarbarias, o prejuizo para o nosso património colectivo foi imensurável e na sua maior parte definitivamente perdido e arruinado. De facto, nesse aspecto, as luzes do liberalismo enegreceram o nosso património arquitectoónico.

Mas mesmo muito tempo depois dessa onda avassaladora de fundamentalismo cego, a destruição continuou e a pouca sensibilidade de populações e responsáveis locais ou nacionais, esteve sempre presente. Até mesmo pela década de 1940 houve uma onda de alguma reconstrução de património, sobretudo castelos, mas, tantas vezes realizada de forma pouco ou nada rigorosa sob um ponto de vista científico. Foram muitos os atropelos, mas, como diria algém, mais vale reconstruir e preservar, ainda que mal, do que mesmo nada fazer até que a ruína seja completa. 

Nos tempos relativamente mais recentes têm existido ainda casos flagrantes de destruição e desrespeito para com o património e desse conjunto de crimes de lesa pátria, um deles, pouco ou nada falado, e quase esquecido, como uma vergonha colectiva, prende-se com a demolição da então velhinha igreja paroquial do Divino Salvador, em  Joane, Famalicão, um edifício de base românica, anterior à própria fundação de Portugal.

Do pouco que se sabe, terá sido cobardemente pela calada da madrugada de 11 de Março de 1978, quando as máquinas assassinas avançaram sobre as paredes graníticas do monumento, reduzindo-o a um montão de destroços e pó. Parece que uma substancial parte da população era contrária à decisão de alguns, e perante tão hediondo acto levantaram-se protestos indigandos que se estenderam a todo o país. Ademais, já na altura a igreja tinha dois frescos, por detrás do altar, reportados aos séculos XI e XII,  classificados como imóveis de interesse público, tendo igualmente sido destruídos sem apelo nem agravo.

E tudo isso com a justificação de no local se pretender edificar uma nova e moderna igreja, o que aconteceu. Do antigo edifício, embora de construção muito posterior, ficou uma torre sineira que ali se mantém como lembrete dessa vergonha.

A velha igreja românica de Joane era um templo constituído por duas amplas naves, separadas por uma arcaria travada transversalmente na zona dos altares-mores por uma outra arcaria, e guarnecida com dependências anexas a nascente e a norte. Todavia,  o edifício apresentava elementos arquitectónicos de características muito diversas, por conseguinte referentes a diferentes perídoos de edificação. Diz-se que o edifício primitivo seria composto por uma só nave, com abside da qual à data da demolição não havia vestígios, correspondendo à nave norte.

Pouco consegui encontrar sob o processo, porque a todos envergonha, mas parece que em rigor ninguém foi acusado e muito menos condenado. Como Pilatos, gastou-se muita água a lavar essa iniquidade. Tamanho crime passou em claro. 

Não conheço, obviamente o sentimento dos joanenses, mas creio que a larga maioria sentirá vergonha de tão grande atropelo do seu passado e património histórico colectivo. Quando deveria ser uma jóia da coroa e motivo de orgulho, foi o que foi.

Já li por aí notícias de que se pretenderia edificar uma igreja parecida, já não com a mesma utilização mas como uma forma de trazer à memória a velha igreja e simultaneamente servir de exemplo ao que aconteceu. Mas parece que, pelo tempo decorrido sobre a notícia (1999) não passou de uma intenção ainda não concretizada. 

[outras fotos e algumas notas]

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