Diploma da 4.ª Classe


Noutros tempos, o exame da quarta classe da escola primária era algo sério pelo rigor e disciplina que exigiam, a par das várias matérias e conhecimentos que abarcavam, que provavelmente hoje só se adquirem, e de forma muita relaxada, num nível do 9.º ano ou mais além. O exame regra geral consistia numa prova  escrita, com exercícios de língua portuguesa, com vocabulário, gramática e redacção, ainda aritmética, incluindo cálculo de fracções e geometria. Ainda a prova oral.

Entre os anos de 1948 e 1956, apenas era obrigatória a frequência escolar até às três primeiras classes, para crianças entre os 7 e 12 anos, terminando esse ciclo com um exame, chamado de Primeiro Grau. A partir do ano de 1956 os rapazes passaram a ser obrigados a frequentar os quatro anos de ensino primário e instituiu-se o correspondente exame. A partir de 1960 a obrigatoriedade dos quatro anos estendeu-se também às raparigas, passando então apenas a existir um exame final para a conclusão do ensino elementar, vulgo exame da quarta classe tendo sido suprimido o tal exame de primeiro grau..

Realizei o meu exame da quarta classe por meados da década de 1970 e tenho memória da data. Nos dias anteriores houve lugar a estudos de preparação com a diligente professora. No dia, eu e os meus colegas da escola da aldeia deslocamo-nos a pé a uma freguesia vizinha onde eram realizados os exames. Ou seja, não foi na nossa própria escola. Ainda em tempos mais recuados os exames eram por norma realizados nas sedes dos concelhos.

Os alunos foram dispersos pela sala de modo a impedir eventuais copianços. A prova escrita era realizada em folhas de papel azul de 25 linhas e toda a escrita era realizada com caneta de aparo, pelo que havia que ter o máximo cuidado para não esborratar ou rasurar. No final da prova escrita houve lugar a trabalhos manuais em que cada aluno tinha que já ter preparado. Na parte da tarde era a prova oral em que o aluno era interrogado sobre várias disciplinas, incluindo História de Portugal, Ciências Naturais e Geografia, abrancando nesta os temas relacionados às então províncias ultramarinas, sobre geografia, serras, rios, caminhos de ferro, etc, etc.

No final da tarde surgiu o momento esperado com a colocação dos resultados, afixados na porta da sala. Passei com distinção e alguns colegas rés-bés-campo de ourique  e ainda outros que reprovaram. Para além do desapontamento, certamente que a contarem com o castigo quando dessem a notícia aos pais. Era o que era.

A propósito do título deste artigo, infelizmente não me lembro nem tenho memória de ter recebido o então tão almejado Diploma. Este documento, com estampa clássica desenhado pelo artista Martins Barata, em 1937, uma edição exclusiva da Imprensa Nacional de Lisboa, foi usado praticamente até à mudança de regime, em 1974. O diploma tem as dimensões de  29,7x20,5 cm, por isso praticamente no formato A4, com a ilustração monocromática em tom azul escuro e com um rapazinho fardado a empunhar com ar solene a bandeira da Mocidade Portuguesa.  Sabe-se, que este rapazinho teve como modelo o próprio filho do artista, José Pedro, então com 8 anos.

Em 2017 li uma notícia de que o Arquivo Municipal da Guarda possuia no seu espólio 125 Diplomas comprovativos do exame da 4ª Classe., com datas compreendidas entre 1950 e 1967 e que pertenciam a pessoas naturais de várias freguesias do concelho da Guarda. Desconhecendo o Arquivo o motivo de tais documentos estarem então na sua posse, divulgou publicamente a lista dos titulares certificados e disponibilizou-se a devolver os mesmos aos diplomados ou a seus familiares, em sessão solene agendada. Desconheço o resultado da acção, supondo que pelo menos uma grande parte terá sido devolvida. É da página da referida notícia que retirei o exemplar do Diploma, pertencente a uma Maria Celeste Gonçalves, nascida em 25 de Março de 1949, com que ilustro este apontamento.

Serve este artigo para supor, a ter em conta o sucedido na Guarda, que eventualmente também não terei recebido tal Diploma pelo que eventualmente terão também ficado lá pelo arquivo da escola onde foi realizado o meu exame. 

Seja como for, se por esses anos ainda era passado tal certificado, também pouco mais tempo terá durado pois logo depois deu-se a revolução do 25 de Abril de 1974 e de lá para cá todo o Ensino e a Educação têm andado aos trambolhões. Apesar de já decorrido meio século, dizem que ainda há problemas estruturais a emperrar a máquina, apesar do facilitismo e da perda de importância de exames, incluindo o do quarta classe que há muito foi morto, ressuscitado, novamente morto e enterrado. Importa ao sistema não criar traumas e dificuldades aos alunos nos diferentes escalões de ensino. Por isso suprimem-se os exames, porque no fim de contas, mesmo para quem as não saiba fazer, tudo será um faz de conta.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A Comunhão Solene ou Profissão de Fé

Revista GINA

Una, duna, tena, catena...

Pub-CF