Broa de milho


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broa

forno pao santa nostalgia

masseira de pao
Hoje em dia o pão chega-nos fresco logo pela manhã, distribuído pelo padeiro da zona ou adquirido em qualquer estabelecimento de produtos alimentares.
Faz habitualmente parte das nossas refeições, mas é consumido de forma automática, sem sequer percebermos toda a lida que esteve por trás da sua confecção, ainda que em padarias modernas e automatizadas.
Mas nem sempre foi assim. Noutros tempos, principalmente em ambientes de aldeia, o pão para consumo durante a semana era confeccionado e cozido na própria casa.

Reavivando as memórias do meu tempo de criança, recordo que em casa dos meus pais, a exemplo de muitas outras famílias, existia o tradicional forno onde semanalmente, todas as quartas-feiras, a minha mãe reservava a parte da manhã para cozer o pão.
Para isso existia um móvel em madeira, designado de masseira, onde a farinha misturada com a água era amassada à força de braços e mãos. 
  
Como era tradicional na minha região, era utilizada principalmente a farinha de milho, quase sempre pura mas por vezes misturada com farinha de centeio, emprestando ao pão uma cor mais escura e diferente sabor. A farinha de trigo era muito raramente utilizada e apenas em ocasiões especiais e mais para confecção de regueifa doce, nomeadamente pela Páscoa.
O processo principiava na véspera, com a moagem de um saco de farinha no moinho de água, propriedade da família. Depois a farinha deveria ser bem peneirada.
À mistura de farinha e água quente era acrescentado o fermento, chamado de crescente, que era um pouco de massa guardada da anterior amassadura. Este fermento era indispensável à levedura da massa. 
  
Recordo que quando a cozedura não era semanal, era necessário arranjar o crescente fresco pelo que era usual ir pedir a uma das vizinhas, pois era um risco usar fermento fora de prazo.
Depois de preparada a massa, esta era aconchegada num dos cantos da masseira. Era feita uma cruz em baixo relevo, com o topo inferior da mão e no meio da cruz era espetada uma cebola crua, que permitia acelerar a levedura.
Depois era feita a tradicional benção. A minha mão rezava assim:
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo:
S. Vicente te acrescente,
S. Mamede te levede e
S. João de te faça pão.
Amem.
Por vezes rezava-se uma Avé-Maria.
Esta reza, ou esta benção, tem alguns pontos comuns noutras regiões do país mas, naturalmente, apresenta-se de forma diferente, mais simples ou mais complexa. Eis alguns exemplos que colhi aleatoriamente em diversos sítios da internet.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo:
S. Vicente te acrescente e
S. João de te faça pão.
Deus de acrescente
Dento de forno,
E fora do forno
E a quem te comer.
São Vicente te acrescente
São Romão te faça pão
O Senhor te ponha a virtude
De mim fiz eu o que pude.
S. Vicente te acrescente,
S. Humberto te levede,
S. João te faça pão,
Para comer e p'ra dar.
Deus te queira acrescentar.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Reza-se então um Padre Nosso e Avé Maria.
S. Vicente te acrescente,
S. Mamede te levede,
S. João te faça pão,
E Deus Nosso Senhor te deite
Sua divina benção.
O Senhor te acrescente,
E te queira acrescentar,
Para comer e mais para dar.
Em nome do Pai, do Filho
E do Espírito Santo, Amén.
S. João levede o pão
S. Vicente te acrescente
Sta. Marinha levede a beijinha
Em honra de Deus e da Virgem Maria
Um Pai-Nosso com uma Avé Maria
S. Vicente te acrescente,
S. Sebastião te faça bom pão e
Deus te cubra de divina bênção.
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
São Vicente te acrescente,
Sã Mamede te levede,
E todas as almas santas
Te ponham a sua virtude.
São João te faça pão,
Com a graça de Deus e da Virgem Maria.
Cresça ó pão no forno
E o bem pelo mundo todo.
Nós a comer e ele a crescer,
Que não possamos vencer,
P’rá minha alma quando for
O eterno descanso, Senhor.
Para a massa levedar
S. Vicente te acrescente
S. João te faça pão.
Em louvor da Virgem Maria
Um Padre-nosso e uma Avé Maria.
Quando a massa se mete no forno
(com a pá faz-se uma cruz)
Cresce o pão no forno.
Ele a crescer
Nós a comer
Nunca o poderemos vencer.
Deus que te levede
Deus que t’acrescente
Com a graça de Deus e da Virgem Maria
Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria

S. Mamede te levede
S. Vicente t’acrescente,
S. João de ti faça bom pão,
Deus te ponha a virtude
Que da minha parte fiz tudo que pude.
Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria.

O Senhor te levede
S. Pedro te acrescente
E o Senhor te faça pão
Com o poder da Virgem Maria
Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria
IV
S. Vicente t’acrescente,
S. Mamede te faça pão,
Em louvor de Santiago
Não fiques nem insosso nem salgado

São João te faça pão,
S. Mamede te levede,
S. Vicente t’acrescente
Em louvor de Deus e da Virgem Maria
Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria.

S. Crescente t’acrescente
S. Mamede t’alevede
S. João te faça pão
E Deus te cubra de benção
VII
S. João te levede
S. João t’acrescente
S. João te faça pão
Pelo poder de Deus e da Virgem Maria
Um Pai-Nosso e uma Avé-Maria.
Como se verifica, o S.Vicente está presente na quase totalidade dos exemplos. Apesar disso, S. Mamede, também muito participativo, é considerado o padroeiro do pão.
Depois de feita esta benção, a massa era coberta com um pano quente e era fechada a masseira. A levedura, dependendo da quantidade de massa, poderia durar mais ou menos uma hora.
Entretanto o forno já tinha sido acendido e nele laborava uma boa fogueira durante pelo menos duas horas para esquentar bem. No caso da cozedura da regueifa doce era usada preferencialmente lenha da poda da vinha e urze, queiró e carqueja do mato.

Quando a massa estivesse preparada, o forno era limpo dos resíduos da fogueira e varrida a cinza.
Depois, em cima de uma pá de madeira, era colocada uma camada de farinha fina e sobre ela era colocada uma porção de massa, entretanto preparada em forma de bola. Uma vez na pá era ligeiramente moldada de forma a ficar com uma base plana. Depois de assim preparada era introduzida no forno. Este processo era repetido de acordo com a quantidade de broas. Normalmente a minha mão cozia quatro a cinco broas.

Importa dizer que, antes da entrada no forno da broas, eram cozidos de forma rápida os bolos, um pão em forma circular, achatados, com uma espessura de cerca de 2 a 3 centímetros a que algumas vezes eram revestidos superiormente com sardinhas ou carne. Para mim e para os meus irmãos, a minha mão habitualmente preparava uns bolos de tamanho pequeno (os bolinhos), talvez com cerca de 10 centímetros de diâmetro e também os chamados picões, que eram redondos e pontiagudos nas pontas.

Depois destas cozeduras rápidas, então eram colocadas as broas, cobertas com uma camada de farinha, para melhor formar a côdea (parte dura da superfície superior da broa) e fechado o forno. A maior parte dos fornos não tinham porta com sistema de fecho pelo que era necessário vedar a porta, sendo para isso utilizado o resto da massa. Isto em minha casa, pelo que em tempos de maior crise, para não se desperdiçar a massa, era utilizado barro. Havia até quem utilizasse uma mistura de terra com bosta de vaca que pela quantidade de fibras era adequada à consistência da massa de vedar.

Uma vez fechada e vedada a porta do forno, esta era benzida com o Sinal da Cruz, feito com a pá. Estava terminada a tarefa pelo que restava aguardar uma a duas horas, conforme o tamanho do forno, a sua capacidade de aquecimento e da quantidade de broas.
Um dos momentos mais apetecidos era o da abertura do forno, pelo qual saía uma bafarada quente com aroma a pão quente. Só isso confortava a alma pelo que a barriga só depois de arrancado um naco de broa. Era conveniente, contudo, deixar arrefecer um pouco pois o ditado popular dizia que "Pão quente, diabo no ventre", o que significa que é perigoso comer pão muito quente.

As broas já cozidas eram retiradas com uma outra pá, esta em chapa de ferro, própria para se introduzir debaixo da broa para facilitar a sua remoção.
O pão então era colocado numa caixa de madeira e coberto e assim serviria para a companhar as refeições durante toda a semana. Claro que também servia de petisco fora das refeições, acompanhando uma mão-cheia de azeitonas, também da casa ou um pouco de salpicão de lavrador.

Com o avançar dos anos, estas práticas deixaram de ter lugar na maioria das famílias e já mesmo na aldeia são raros os exemplos deste tipo de confecção caseira. Claro que ainda subsistem, principalmente em aldeias do interior, ainda muito dependentes de uma agricultura de subsistência, mas são uma espécie em vias de extinção. Na minha aldeia ainda há pelo menos duas casas que produzem semanalmente a broa de milho caseira, seguindo praticamente os métodos artesanais de tempos antigos, mas já com uma vertente comercial. Mesmo assim, fazem com que ainda se coma broa de milho à moda dos nossos avós, dando um melhor acompanhamento a certas comidas, nomeadamente uma sardinha assada ou uns bons rojões caseiros.

Comentários

  1. Oii, adoro seu blog, sou apaixonada por coisas antigas!! Eu criei um blog sobre publicidade antiga!! Dá uma passadinha por lá!! :) Eu te favoritei!! E parabéns pelo seu blog(!) Beijão.**

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  2. O meu pai é Beirão, do distrito de Viseu. Costumava passar as minhas férias grandes na casa dos meus avós. Tinha um tio que era padeiro. Tinha uma padaria grande no centro da Vila, que abastecia várias aldeias em redor. lembro-me como se fosse agora, até sinto o cheirinho do pão de trigo e do pão de milho a sair do forno e o sabor....que delicia!...
    Trabalhavam lá o meu tio e mais dois padeiros, todo o trabalho era manual, a masseira era como a que apresenta nas imagens de madeira. lembro~me de os ver amassar o pão. De o tenderem de os ver a pô-lo no forno. Da lenha que se introduzia no forno. Depois de sair do forno a minha tia, colocava uma certa quantidade de pão numa enorme cesta, forrada com um grande pano branco que ela colocava à cabeça e lá íamos as duas levar o pão à casa das pessoas de bem. É o reviver de tempos longínquos.Por isso é que eu gosto tanto deste espaço! É um regresso constante ao passado

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