Sachas e merendas

 Uma das boas memórias dos meus tempos de criança, remete-me para as merendas que se faziam no intervalo de alguns trabalhos do campo. Sobretudo no tempo das sachas (por  Maio e Junho).
Primeiramente na sacha da batata e depois na do milho. A tarefa da sacha requeria paciência e sensibilidade, e consistia num trabalho de enchada, cavando-se pelo meio da carreiro (intervalo entre filas de plantas) e na sua envolvência, de modo a soltar a terra enrijecida e retirar ervas daninhas que cresceram com as primeiras humidades.

Como se disse, era um trabalho de paciência e moroso. Era simultaneamente duro, pois exigia uma posição de costas vergadas e quase sempre debaixo do sol tórrido. Pelas suas características, era uma tarefa que envolvia várias pessoas, da casa e da família, mas também de vizinhos que vinham ajudar ou mesmo de jornaleiros (a quem se pagava a jorna combinada, no final do dia).
Ora quando assim era, quando se envolvia um bom grupo de pessoas, dependendo das possibilidades do lavrador proprietário, era quase certo que lá pelo meio da tarde havia merenda. Procurava-se um sítio adequado, num relvado ou cômoro à sombra de uma árvore ou da latada de videiras, estendia-se uma toalha de linho no chão e a merenda, chegada de casa numa condessa, era distribuída.
A merenda quase sempre era pouco substancial: Broa de milho, vinho da casa, azeitonas, cerejas se as houvesse e alguma fruta, tudo produção da casa. Se o proprietário fosse pessoa de posses, então a coisa podia ser quase uma refeição, com uma panela de arroz, umas iscas de bacalhau frito ou até mesmo uma galinha caseira estufada.

Logo depois da merenda, com as forças e os ânimos restabelecidos, toca a pegar nas enxadas com as mãos calejadas e voltar para debaixo do sol e da poeira e cavar e mais cavar.
Apesar da dureza do trabalho, porque os trabalhos do campo sempre foram duros, cantava-se. Quase sempre em conjunto ou ao despique.

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- Aspecto da sacha do milho, na região de Águeda (Beira Litoral)

Sempre se disse que o trabalho dignifica a pessoa humana. Assim é, mas convenhamos que hoje os tempos assentam numa filosofia bem diferente. Mesmo com as naturais excepções, a regra é procurar levar a vida sem trabalho, sem canseiras e responsabilidades e foge-se dele como o diabo da cruz. Procura-se emprego mas não trabalho. Mesmo com a crise e com níveis absurdos de desemprego, ainda há quem prefira a mama do subsídio ou do apoio a ter que enfrentar o trabalho diário.

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